Concepção Educacional de Paulo Freire na CEP
A CONCEPÇÃO EDUCACIONAL DE PAULO FREIRE E SUA APLICABILIDADE NA
EXPERIÊNCIA DA CASA DE EDUCAÇÃO POPULAR NO MUNICÍPIO DE ALTAMIRA/ SUDOESTE DO
PARA
Flavio Moreira de Paula[1]
UFPA /
Campus Altamira / Geografia
Eldra Carvalho da Silva[2]
UFPA/Campus Altamira/
Biologia
José Antônio Herrera[3]
UFPA / Campus Altamira
/ Geografia
RESUMO
Neste
artigo apresenta-se a análise sobre a organização educacional da Casa de
Educação Popular no município de Altamira, localizada na região Sudoeste do
Estado do Pará. A reflexão no escopo deste texto resulta da pesquisa realizada
na disciplina Fundamentos da Educação do curso de Licenciatura em Geografia na
Universidade Federal do Pará/ Campus de Altamira. O mote está em compreender a
organização e as práticas educativas realizadas na Casa de Educação Popular no
município supracitado. A pesquisa, de
cunho qualitativo, caracteriza-se como um estudo
de caso e resultado revelou que a fundamentação da Casa de Educação Popular
no município de Altamira ao adotar a perspectiva freireana tem proporcionado à
educação emancipatória e libertadora. Esta pautada no princípio da organização
educacional via coletividade como impulsionadora para construção de uma
sociedade mais justa e igualitária.
1.
INTRODUÇÃO
Quando falamos em EDUCAÇÃO, logo remete-se a ideia formal que
temos do termo. Educação escolar, educação familiar, educação de berço etc. É
comum presenciar depoimentos cobrando ou nos apontando a ausência ou pouca
eficiência da mesma. “sua mãe não te deu educação”? “menino mal educado, nem
parece que estuda” “Hum fulano teve uma boa educação” “como cicrano é educado”. Mas, a educação resume-se ao espaço escolar
ou pode ser atribuída a outros espaços de educação?
Revelando que a Educação acontece-nos diversos espaços sociais,
discorrera-se no escopo deste texto sobre os fundamentos teóricos da educação
popular, firmada no método de Paulo Freire, pautando as alternativas que difere
a educação popular do modelo educacional proposto atualmente, e ainda, sua
importância na América Latina, suas origens no Brasil e sua importância
enquanto educação alternativa quando considerado as cidades interioranas e/ou o
campo brasileiro.
A compreensão parte dos resultados obtidos com a pesquisa
desenvolvida junto a Casa de Educação Popular (CEP) no município de Altamira,
sudoeste do Estado do Pará, que assume em sua postura pedagógica a perspectiva Freiriana.
Para tanto, considera-se necessário discutir os principais fundamentos da
Educação Popular, o método de Paulo Freire e sua importância para classe
trabalhadora e para as transformações na história da humanidade.
2.
A CONCEPÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO DA EDUCAÇÃO POPULAR: SITUANDO O DEBATE
Com a história, é possível apreender que desde a formação dos
primeiros grupos de organização social, o processo de educar está intrínseco à
comunidade. Nas primeiras tribos que se tem notícia o conhecimento é
transferido de geração a geração. Sendo possível notar nas relações cotidianas,
cerimônias e rituais em que crianças aprendem e jovens são solenemente aceitos
no mundo dos adultos. Tribos construíam suas “regras” de ingresso do individuo
ao coletivo, as crianças desde cedo aprendiam a manusear a flecha, a caçar,
além de adquirir o pertencimento ao grupo ou a comunidade. Nestes contextos,
inexistia a escola formal na qual os “alunos” sentam em suas cadeiras e
aguardam as lições do professor que “detém” o total conhecimento.
Na educação primitiva, todos aprendiam e todos ensinavam em um
processo continuo de descobertas e experiências transmitidas no cotidiano, na
relação com outro, nas interações. Raramente havia um tempo determinado e exclusivo
para “aprender”. O aprendizado era conquistado em meio a realidade concreta
(vivida), nos saberes adquiridos no cotidiano e socializado igualitariamente à
todos.
Neste termos, pode-se afirmar que a origem da “educação” ainda que
não adotasse o nome, está ligada diretamente com o processo de autonomia e
liberdade. Isso se dava pelo fato de que todos eram tidos como iguais, comum,
não havia quem sabia mais. O respeito ao chefe tribal se fazia por sua
experiência e dedicação ao coletivo, mas esse deveria se dispor a aprender com
os mais jovens e em formação de vida.
Em um dado momento da história, surge a divisão territorial e com
ela a divisão do trabalho, divisão das tarefas.
Ao surgir a primeira cerca, corta-se o laço nas relações que
anteriormente era de unidade, partilha, comunhão. O processo de educar com a mudança de lógica
social, assume outra conotação, nasce o ensino outra não praticado. O que isso
significa? Carlos Roberto Brandão nos explica:
Significa
que para além das fronteiras do saber comum de todas as pessoas do grupo e
transmitido entre todos livre e pessoalmente, para além do saber dividido
dentro do grupo entre categorias naturais de pessoas (homens, mulheres,
crianças, jovens, adultos e velhos)e transferido de uns aos outros segundo suas
linhas de sexo, idade, por exemplo, emergem tipos e graus de saber que
correspondem desigualmente a diferentes categorias de sujeitos(o rei, o
sacerdote o guerreiro, professor o lavrador), de acordo com sua posição social
no sistema político de relações do grupo. Onde todos aprendem para serem
“gente”, “adultos”, um dos nossos” e, meio a meio, alguns aprendem para serem
homem, e outros para serem “mulher” outros ainda começam aprender para serem
“chefes”, “feiticeiro”, “artista” “professor”, “escravo”. “A diferença que os
grupos reconhecem nele por vocação ou por origem, a diferença dos que esperam
de cada um deles como trabalho social qualificado por um saber, gera o começo
da desigualdade da educação de “homem comum” ou de ‘iniciado”, que cada um deles
diferentemente começa a receber. ( BRANDÃO, 1996).
Constitui-se, segundo o autor, a divisão social do saber. A
desunificação da educação. Daí pra frente o processo de ensino educacional toma
diferentes rumos e vai ser usado como armas, políticas ideológicas e de
dominação. Antes ainda do espaço
educacional se tornar escola, essa divisão já é visível e constatável na
hierarquização do poder. Vemos na Grécia e na Roma Antiga um sistema pedagógico
já controlado por um poder externo a ele, vindo de fora para dentro de uma
forma hierarquizada de especialistas de ensino que tinham como principal missão
reproduzir a desigualdade através da oferta desigual do saber.
Por tanto, a Educação ao se
“formalizar,” institucionalizar, cria seus próprios mecanismos de avaliação e
regras metodológicas, passa a influir diretamente na formação da consciência do
indivíduo, fazendo hora domesticado, hora enganado, na maior parte do tempo
alienado a um sistema que vai usá-lo como ferramenta de manipulação e
estratégia para sua automanutenção. No entanto, encontramos nos pressupostos
históricos várias formas antagônicas de apresentar a educação, de associar o
indivíduo a esse processo que lhe é intrínseco, podemos encontrar na teoria
Marxista, a dialética do sujeito objeto, a Práxis, na qual constata-se os
processos de fazer e aprender estão inseridos nas relações de totalidade e que
não faz desassociada do próprio sujeito. Para Gramsci (1989), a educação
precisa cumprir o papel de promover a aquisição por parte do trabalhador que
passe uma bagagem cultural universal (capacidades cognitivas e práticas) ou o
desenvolvimento de uma consciência política (incorporando, desta forma, as
experiências da classe trabalhadora na educação).
Neste termos é que se coloca a discutir a educação popular como
alternativa ao modelo de educação instituída na contemporaneidade. Importante
destacar que o entendimento sobre educação popular passa pela assertiva feita
por Carlos R. Brandão (2007), para quem edução popular é aquela:[...] fundada
no absolutismo respeito ao outro, seja que for, venha de onde vier, como vier.
Uma educação onde o diálogo não é apena uma estratégia de ensino ou um método
didático, mas o fundamento e a razão de ser do próprio trabalho de
ensinar-e-aprender (BRANDÃO, 2007 pag.8).
Na educação popular a palavra
Educação, refere-se ao processo metodológico que envolve os atores interessados
no exame da realidade, na troca múltipla de conhecimentos, na multiplicação dos
esclarecimentos e no compromisso com a solução dos desafios. Logo, Popular,
“descreve a opção da luta de classe, o lado que o sujeito se coloca para o
confronto das ideias, significa, portanto a orientação da educação a uma
formação que busque qualificar a ação dos militantes dos ‘insatisfeitos” para
uma atuação organizada e transformadora da realidade no interesse sempre da
classe oprimida.
Kosik 2002, Entende a educação
popular dentro de uma concepção de educação cujo núcleo carrega a abordagem de
ser humano de mundo e de sociedades como parte articuladas numa totalidade em
movimento, em que a dinâmica do aprender e do ensinar é recíproca, e são atos
de transformação da realidade produzidos por educadores e educando, sujeitos em
ação, os educando se vêem como sujeitos, protagonistas no cenário social.
Afirmamos acima que a educação
popular tem um caminho político, mais, além disso, a educação popular tem um
caráter político, isso porque exige uma opção, uma identidade de princípios e
estratégias. Na educação popular essa se dá pela massa popular. Se não se optar
por esse caminho, está do lado oposto, daquilo que Paulo Freire (1997) chama de
educação bancaria. Isso porque não há neutralidade na educação.
No bojo das teorias
cientificas onde a experimentação e o rigor técnico faz-se necessário, alguns
autores tentam incluir ou ao menos discutir uma ciência educacional ou como
Jose Clovis (2010) coloca, como ciência popular esse conjunto de substancia
teórico e método para uma educação popular. O referido autor, fundamenta-se: “o conhecimento popular, a sabedoria
popular, é o conhecimento produzido e apreendido na construção da existência e
na produção da vida material e espiritual dos grupos sociais” (CLOVIS, 2010, p. 142).
Podemos dizer que a Educação Popular
tal como é, reflexo da luta incansável desse homem humilde, Paulo Freire, que via no outro sua semelhança, que a todos a
quem enxergava compartilhava a esperança e a busca incessante de uma vida
melhor e dos oprimidos enfim libertos dos seus opressores. No tópico seguinte,
apresenta-se como ganha corpo esse paradigma em experiências reais espalhadas
pelo Brasil, sua contribuição com a educação para a classe trabalhadora,
marginalizada nos interiores, como no caso do município de Altamira -Pará.
3.
A EXPERIÊNCIA DA CASA DE
EDUCAÇÃO POPULAR NO MUNICÍPIO DE ALTAMIRA/ SUDOESTE DO PARÁ
A história da educação popular em Altamira está diretamente ligada
à história dos movimentos sociais e tem seu
inicio com a luta dos trabalhadores da educação na construção do seu
sindicato na década de 1980. Na década de 1990, os trabalhadores da agricultura
familiar lutam pela construção da Casa Familiar Rural- CFR, luta essa que buscava uma alternativa educacional, diferenciada, que não só oferece a formação curricular normal do ensino publico, mas também a complementariedade da formação técnica, a
qual dá a possibilidade de permanência do jovem no campo, minimizando, assim, o êxodo rural.
Atravessados
percalços e tentativas de uma educação popular no município de Altamira, em
2009, surge o embrião da Casa de Educação Popular, com a criação do cursinho
popular. Tempos depois, inicia-se o trabalho de alfabetização de jovens e
adultos, o supletivo de ensino médio e a formação cidadã continuada com todos
os participes do projeto, ou seja, os ingressos nas universidades pelo
cursinho, os alfabetizados, e os concluintes do ensino médio.
A fundamentação da educação libertadora do sujeito,
imortalizada na obra: Pedagogia do Oprimido de Paulo freire, caracteriza-se na
ação da Casa de Educação Popular de Altamira, como centralidade de suas ações e
convicções da possibilidade de uma nova sociedade, pautada na pratica cotidiana
de luta dos trabalhadores para a transformação desta e, permite a construção de
valores humanistas profundos. Deste modo, a Casa de Educação Popular de
Altamira trabalha com o lema: “o ato de educara é na verdade o ato de recriar
de re-significar o que dantes já era significado” FREIRE (1987). A partir da citação de Freire, foca-se
libertar através do movimento dialético e gerador da educação, o sujeito que
até estava preso as amarras impeditivas de enxergar a realidade tal qual ela é.
3.1. Cursinho popular: o
ingressar da classe trabalhadora na universidade
O cursinho popular inicia na cidade de Altamira em
2009, sendo resultado da organização da juventude, vindo da pastoral da
juventude do Brasil (PJB) suas pastorais especificas, especialmente a Pastoral
da Juventude Rural (PJR) devido a região ser quase que exclusivamente
camponesa. O ensino formal em Altamira é insuficiente para a habilitar seus
estudantes para nível superior, a maioria dos aprovados no vestibular, para o
campus da Universidade Federal do Pará de Altamira, são de outras regiões do
Estado. Para suprir essa deficiência a população precisa fazer cursinhos que
requerem investimentos altos, entre R$ 150,00 e R$250,00 por aluno/mês, o que
para a grande parte dos trabalhadores, que recebem pouco e na maioria das vezes
é responsável por toda a renda familiar, pagar um cursinho com estes valores
torna-se inviável, um processo de marginalização dos marginais.
O cursinho popular, por sua vez, procurou contemplar trabalhadores
que possuem renda familiar baixa e, por conseguinte não possam pagar um
cursinho pré-vestibular particular. O objetivo é inseri-los na universidade
através da formação e preparação para o vestibular e, além disso, propõe
qualificar o grau de consciência social, política, cultural, e com isso,
promover um debate na universidade quanto ao acesso, inclusão/exclusão, além de
discriminação em razão da etnia e condição econômica, base central do referido
cursinho.
Como afirma Freire (1987) não há um único modelo de educação e o
Cursinho Popular está pautado como alternativa, a Educação Popular nascesse
estabelecendo antagonicamente a educação formal, conservadora e mistificadora
que vem se construído ao longo de todo o processo histórico. A Educação
popular, enquanto educação da liberdade como um caminho político e pedagógico
na construção de sujeitos ativos e transformadores da realidade.
Em 2010, o cursinho faz uma parceria com a Universidade
Federal do Para / Campus de Altamira, que passa a cediar as turmas do cursinho,
permitindo implementar diversas mudanças, dentre elas, destaca-se a organização
das aulas periódicas de segunda a sexta feira. Cada turma tem um representante
que faz parte da coordenação política pedagógica do cursinho, escolhidos pela
própria turma.
Exemplo de eficácia foi a avaliação do ano de 2010 que
contou com a aprovação de 37 (trinta e sete) educandos no vestibular, além da
participação desses educando em debates e fóruns ocorridos na cidade de
Altamira. O que estimulou a coordenação do cursinho e proporcionou o
reconhecimento do método junto a comunidade Altamirense.
Em 2011, continua a parceria com a Universidade Federal
do Pará, mais aparece a necessidade de conquistar um espaço próprio para
atender as proposições dos alunos que queriam garantir estudar em grupo, fazer
trabalhos aos finais de semana e ter um espaço de integração e que também
viesse a servir de Secretaria Administrativa para potencializar e qualificar o
trabalho coletivo. Infelizmente, o recurso era insuficiente e o cursinho não
conseguiu materializar tal projeto, vale ressaltar que o cursinho nunca teve
apoio governamental, municipal, Estadual ou Federal, e que por uma algumas
vezes foi auxiliado por uns pequenos projetos de instituição comprometida com a
luta popular.
E importante destacar ainda, as atividades adicionais
desenvolvidas no cursinho popular como: os corujões; saraus; aulas passeios;
apresentações teatrais, baseadas no teatro do oprimido sobre conteúdos
programáticos do ENEM e do vestibular da UFPA ou sobre um possível tema de
redação. A contribuição de alguns
professores da Universidade Federal no processo de formação da coordenação
político pedagógica do cursinho popular e dos professores foi de fundamental
importância.
Sempre que as aulas iniciam, educadores e educandos são
apresentados ao método que fundamenta a Casa de Educação Popular, baseado na
pedagogia de Paulo Freire, Uma espécie de orientação vocacional oferecido pela
UFPA/Campus de Altamira. A universidade
Federal do Pará, por meio do Campus de Altamira, muito tem contribuído com o
processo de consolidação do cursinho popular em Altamira oferecendo além da
estrutura física do campus a assessoria de seus docentes na área pedagógica e
política. Há inclusive um debate para incluir o cursinho popular como atividade
de extensão da universidade.
Para além da parceria estabelecida, destaca-se aqui a
interpretação dada por egressos do cursinho popular, o qual destaca em sua fala
a importância da de metodologias diferenciadas no cursinho:
O método da
educação popular é muito acertado, pois diferente é da educação bancaria que
nos usam apenas como deposito da ideologia dominante. E a Educação Freiriana
vem nos libertar dos grilhões que nos aprisionam (Egresso 1).
A fala do referido egresso,
revela que o método que fundamenta as aulas na Casa de Educação Popular, está
para além de uma formação técnica e visa à libertação do sujeito e a
protagonização deste no seu verdadeiro papel social, pois o método de Paulo
Freire parte da análise da realidade concreta, em uma relação dialógica
contínua entre educando e educador. Sendo apresentados temas geradores que
surgem da problematização da vida pratica dos educando, a qual se torna
extremante importante no método Freiriano, o contato direto do educador com
educando, o conhecimento da sua história, como está inserido no contexto
social, quais são suas aspirações suas angustias, qual sua leitura de vida, A
partir desse momento o educador extrai o conteúdo a ser trabalhado.
Nesse sentido, destaca-se que é reconhecida a
importância do cursinho popular para a sociedade altamirense, a população
reconhece nesse instrumento uma via alternativa de grande valia para o avanço
da classe trabalhadora via educação, revelada na fala de outro egresso do
Cursinho Popular:
Primeiramente
o preço muito abaixo do nível de “mercado” que vem atender diretamente a classe
trabalhadora e os horários alternativos que possibilitavam a participação da
juventude trabalhadora que duramente a semana já estudava no ensino e a noite
trabalhava durante o dia ( Egresso 2)
Quando questionados sobre a importância do
cursinho popular na cidade interiorana do Estado do Pará os egressos revelaram
que:
Teve uma
importância muito significativa, além de despertar minha consciência social, me
fez passar em dois vestibulares e me levou a entra na universidade entendendo o
papel que eu devo desempenha r dentro dela (Egresso 1).
A
possibilidade de acesso da classe trabalhadora por ser um valor insignificante,
e o método de trabalho, com uma relação completamente diferente do educador
para com o educando. Sem dúvida, desperta a consciência das pessoas e leva a
entender o seu papel na transformação da sociedade (Egresso 2).
Como se
observa, as falas dos sujeitos entrevistados, evidenciam a importância de um
espaço educacional pensado por e para a classe trabalhadora e que além de
atender os seus anseios no aspecto mercado de trabalho, traz em seu bojo a
preparação para a vida cidadã, para a libertação da opressão, pilar filosófico
da Educação Popular.
3.2.Alfabetização Popular
No ano 2011, intensifica-se a luta contra o
empreendimento Hidrelétrico de Belo Monte, no município de Altamira e aparece
nesse contexto, contato direto com as massas e sua dura realidade, os altos
índices de analfabetismo, situação essa que vem a ser um novo instrumento de
atuação da Casa de Educação Popular. Em
fevereiro de 2012, um grupo de professores do Movimento Popular vão aos dois
principais bairros periféricos de Altamira, Bairro Boa Esperança e Invasão dos
Padres com toda coordenação politica-pedagógica da casa e formam em duas
semanas, nove (09) turmas de Alfabetização de Jovens e Adultos, que após
formadas foram inseridas no Programa do Governo Federal Brasil Alfabetizado que
tem parcerias com as prefeituras municipais.
Nesse trabalho ficou evidenciado que a realidade diária
reflete e interfere diretamente na possibilidade de avanço dos indivíduos tanto
na questão do trabalho que os levava a não participar de todas as aulas, quanto
à falta de infraestrutura nos bairros, tendo como exemplo a falta de energia
elétrica que fora bem frequentes, assim como os problemas no abastecimento de
agua.
Tudo isso somado a naturalidade dos crimes que levavam
a atuação das forças repressivas do Estado nos bairros, estourando bocas de
fumo e repreendendo outras atividades ilegais ficando nesses dias também muito
perigoso para a movimentação dos educandos no período noturno, soma-se ainda a
essas dificuldades, o descaso dos órgãos públicos municipais na administração
do programa Brasil Alfabetizado. Mesmo, mediante a essas dificuldades, vimos na
alfabetização a possibilidade de construir junto com os educandos, aquilo que
sempre lhes foi negado, a alfabetização, o instrumento para ajudar a construir
a história junto com aqueles que estão proibidos de ser, devido a situação de
opressão em que se formaram e em que se realizam sua existência, proibidos de
serem homens, mulheres, proibidos de serem cidadãos pela situação de violência
em que se encontram.
Assim, foi desenvolvido em 2012 as aulas de
alfabetização iniciando com uma grande aula inaugural com todas as turmas e a
presença de Professores da Universidade Federal e da Coordenação Pedagógica da
Casa de Educação Popular. Ao termino do ano, aproximadamente 70% dos educando
foram alfabetizados. A fala das educandas da Alfabetização Popular destaca a
importância da mesma em sua vida:
A vontade
de aprender a ler e escrever me levou a voltar à alfabetização, Para ler as
correspondências que chegavam em minha casa, eu dependia dos vizinhos. Há. Tudo
mudou, vejo as coisas de outro jeito, depois de meus filhos foi a melhor cosias
que deus me deu. É muito bom o jeito das aulas, é a educação do povo mesmo.
Adoro. As aulas são maravilhosa, não vejo a hora que tenho que ir, às vezes
quando eu não vou, fico muito chateada, em muitos dias é o melhor hora do dia
pra mim. Corresponde muito (Educanda 1).
Sim, com
certeza, eu trabalho em um açougue e já falei pro meu patrão que a gora eu sei
lê e escrever, então eu não sirvo mais só pra limpar chão, ja posso ficar no
caixa, rs, Estudar é uma chance que agente tem de crescer né, arrumar uma
trabalho melhor, saber questionar as coisas, aprender a viver né. Tudo isso eu
estou aprendendo com a alfabetização (Educanda 2).
O ato de ler e escrever de forma prazerosa, fora dos
ditames do tradicionalismo, é evidenciado nas falas acima. Mészaros (2002) enfatiza que é necessário
pensar uma educação para além do capital, uma educação que transcendesse o
vulcro da futilidade formal e abstrata que se faz nos sistemas categóricos de
ensinamentos paliativos e dormentes. Freire, por sua vez e a sua época.
destacou que enquanto na concepção bancaria, o educador vai enchendo os
educandos de falso saber, na prática problematizadora, vão os educandos
desenvolvendo seu poder de captação e de compreensão do mundo que lhes aparece,
em suas relações com ele, não mais como uma realidade estática, mas como uma
realidade em transformação, e isso é o que percebemos nos sujeitos da alfabetização
popular.
Em 2013, as condições objetivas não permitiram ter o
mesmo número de educando do ano anterior, vendo que aos desinteressados pela
emancipação da mente humana, a ferramenta educacional utilizada em prol da
classe trabalhadora poderia vir a ser a contraposição, assim sendo as escolas
em que funcionavam as turmas foram impedidas de servir a esse propósito nobre
de alfabetizar, e os educadores tiveram que procurar espaços longicuos das
casas dos educandos o que acarretou em desistências forçadas por parte dos
mesmos, sendo que o grau de periculosidade, os horários não os permitiam
frequentar.
Soma se a isso também o efeito Belo Monte[4],
que recrutou grande parte dos trabalhadores para fazerem os trabalhos braçais
dos canteiros, sem deixar espaço para que esses vivam para além do oficio.
Ainda assim, as atividades de alfabetização, em 2013, iniciaram com três turmas
implementando o mesmo método da Educação Popular, discutindo, dialogando e
fazendo o prender das letras com o aprender do mundo, já em meados desse ano,
vemos o resultado satisfatório, companheiros e companheiras que iniciaram as
aulas sem conhecer e sem ler as palavras, já desfrutam desse “privilegio” que
lhes foi negado por tanto tempo.
3.3.Supletivo de ensino médio
Popular.
Assim como nas outras áreas de atuação da casa de
educação popular, foi detectada a necessidade de criar instrumentos para suprir
parte da demanda apresentada, também o alto índice de trabalhadores e
trabalhadoras que não haviam concluído o ensino médio, e isso dificultava muito
suas vidas para ingressar no mercado de trabalho de forma mais
qualificada. A coordenação da Casa de
Educação Popular definiu então, apostar na construção de mais um instrumento
que viesse atender legalmente a classe trabalhadora, constitui-se então uma
equipe pedagógica que faria funcionar o Supletivo de Ensino Médio, no sistema
blocado onde ao final de dezoito (18) meses, o educando sairia com o diploma de
conclusão do ensino médio.
No início de 2013, foi dedicado atenção especial ao Supletivo
do Ensino Médio para poder atender suas exigências formais, a aula inaugural
aconteceu no dia 8 de março, dia internacional da mulher, onde além da
apresentação dos educadores e da metodologia, foi realizado um debate com a
presença de mulheres que atuam nos diversos movimentos sociais, debate esse
sobre o papel da mulher na sociedade contemporânea. O número de procura foi
muito grande chegando a cento e cinquenta (150) inscritos. As aulas acontecem
de segunda a sábado, e prioriza também o Método Educacional de Paulo
Freire. Esse instrumento de trabalho
diferentemente da alfabetização e do cursinho popular busca ainda sua
consolidação e está em fase de regularização para certificação devida e
merecida dos educandos. Um ganho que podemos apontar com o supletivo, foi a
possibilidade de garantir um espaço próprio onde funciona não só as aulas do
supletivo mais várias outras atividades relacionada a Educação Popular. Sobre a
EJA Popular vejamos o relato da educanda:
A facilidade que é oferecida pelo o EJA, de
concluir o ensino médio em um tempo menor, e o preço diferenciado. Também os
horários no fertados. Um grande oportunidade que vai possibilitar o termino do
ensino médio em um tempo mensor, e uma melhor projeção pra o mercado de
trabalho (Educanda 1).
Alguns
supletivos da região estão atendendo só as pessoas ligadas ao consorcio
construtor belo monte, e o supletivo da casa dede braços abertos educação
popular para todos. Tem bons professores, que dão aos alunos uma atenção
diferenciada. Com certeza, porque aui nessa região muitas pessoas não conseguem
ter acesso ao ensino médio e principalmente pela casa de educação popular ter
um a metodologia diferenciada que desperta o aluno para atuação na sociedade
(Educanda 2).
A Educação de Jovens e Adultos da Casa de Educação Popular é uma
oportunidade para a classe trabalhadora dar seguimento aos seus estudos,
oportunidade de ver a educação como prática de liberdade e não como prática de
dominação, pois a logica da Educação Popular é “quanto mais se problematizam os
educandos e com o mundo, tanto mais se sentem desafiados” (FREIRE, 1987).
4.
FINALIZANDO
A CASA DE DUCAÇÃO POPULAR- CEP é o instrumento que
engloba ferramentas e práticas de educação popular. E o mais importante, acredita que a educação
é possibilidade de se saltar com qualidade para uma sociedade justa e fraterna,
onde os trabalhadores e trabalhadoras são os principais protagonistas da
história. Cria-se a Casa de Educação Popular em Altamira juntamente com a
Associação Casa de Educação Popular pela necessidade de se ter uma espécie de “congregação”
que possa organizar política e pedagogicamente todos os trabalhos desenvolvidos
por esse grupo formados pela juventude dos movimentos sociais, universitários,
professores e militantes das causas sociais que se dedicam a estabelecer a
relação educação-trabalho- cultura, desenvolvimento humano e formação do
sujeito.
Assim sendo, aponta-se a CASA DE EDUCAÇÃO POPULAR como
uma dos principais mecanismos de ligação entre classe trabalhadora e
apropriação do conhecimento para que o mesmo esteja a serviço da construção de
um projeto popular que represente uma alternativa ao modelo de opressão
capitalista, pois como afirma Freire (1987), nenhuma pedagogia libertadora pode
ficar distante dos oprimidos, quer dizer, pode fazer deles seres desditados,
“objeto” de um tratamento humanitarista, para tentar, através de exemplos
retirados de entre os opressores, mecanismos para a sua promoção social. Os
oprimidos hão de ser o exemplo para si mesmo na luta por sua libertação.
Hoje a CEP prima com os princípios de valorização da
vida humana como motor impulsionador, agregador que é passivo em si próprio da
transformação social. Acreditando que é do conhecimento que nasce a ação
transformadora e que educar é um ato de amor, como já dizia Paulo Freire. Por
fim, ter a pedagogia do exemplo, vivencias de valores e crenças, consciência e
disciplina, como princípio norteador faz da Casa de Educação Popular, um
instrumento social em construção pelo povo.
Ao finalizar este ensaio, fica o compromisso de compreender
ao longo do tempo os percalços e potencialidades da educação popular em
Altamira, sobretudo na perspicácia de contribuir para a afirmação da Casa de
Educação Popular como alternativa de formação libertadora para os oprimidos do
município de Altamira e região.
5.
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acesso em 25 de junho de 2013.
SOUZA. Ana Inês (org.). Paulo Freire Vida e Obra. São Paulo:
Expressão Popular, 2008
[1]
Acadêmico do curso de Geografia da Universidade Federal do Pará/ Campus de
Altamira. Educador da Educação básica do Município de Altamira.
[2]
Professora na Area Pedagógica da Universidade Federal do Pará/ Campus de Altamira. Mestre em Educação
[3]
Professor de Geografia da Universidade Federal do Pará/Campus de Altamira.
Doutor em Desenvolvimento Econômico, Espaço e Meio Ambiente. Líder do Grupo de
Estudo Desenvolvimento e Dinâmicas Territoriais na Amazônia – GEDETAM e
Coordenador do Programa de Iniciação a Docência em Geografia do Campus
Universitário de Altamira.
[4] Hidrelétrica que se encontra em processo de construção na Região
do rio Xingu
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