Concepção Educacional de Paulo Freire na CEP

A CONCEPÇÃO EDUCACIONAL DE PAULO FREIRE E SUA APLICABILIDADE NA EXPERIÊNCIA DA CASA DE EDUCAÇÃO POPULAR NO MUNICÍPIO DE ALTAMIRA/ SUDOESTE DO PARA


Flavio Moreira de Paula[1]
UFPA / Campus Altamira / Geografia

Eldra Carvalho da Silva[2]
UFPA/Campus Altamira/ Biologia

José Antônio Herrera[3]
UFPA / Campus Altamira / Geografia

RESUMO
Neste artigo apresenta-se a análise sobre a organização educacional da Casa de Educação Popular no município de Altamira, localizada na região Sudoeste do Estado do Pará. A reflexão no escopo deste texto resulta da pesquisa realizada na disciplina Fundamentos da Educação do curso de Licenciatura em Geografia na Universidade Federal do Pará/ Campus de Altamira. O mote está em compreender a organização e as práticas educativas realizadas na Casa de Educação Popular no município supracitado.  A pesquisa, de cunho qualitativo, caracteriza-se como um estudo de caso e resultado revelou que a fundamentação da Casa de Educação Popular no município de Altamira ao adotar a perspectiva freireana tem proporcionado à educação emancipatória e libertadora. Esta pautada no princípio da organização educacional via coletividade como impulsionadora para construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

1.      INTRODUÇÃO
Quando falamos em EDUCAÇÃO, logo remete-se a ideia formal que temos do termo. Educação escolar, educação familiar, educação de berço etc. É comum presenciar depoimentos cobrando ou nos apontando a ausência ou pouca eficiência da mesma. “sua mãe não te deu educação”? “menino mal educado, nem parece que estuda” “Hum fulano teve uma boa educação” “como  cicrano é educado”.  Mas, a educação resume-se ao espaço escolar ou pode ser atribuída a outros espaços de educação?
Revelando que a Educação acontece-nos diversos espaços sociais, discorrera-se no escopo deste texto sobre os fundamentos teóricos da educação popular, firmada no método de Paulo Freire, pautando as alternativas que difere a educação popular do modelo educacional proposto atualmente, e ainda, sua importância na América Latina, suas origens no Brasil e sua importância enquanto educação alternativa quando considerado as cidades interioranas e/ou o campo brasileiro.
A compreensão parte dos resultados obtidos com a pesquisa desenvolvida junto a Casa de Educação Popular (CEP) no município de Altamira, sudoeste do Estado do Pará, que assume em sua postura pedagógica a perspectiva Freiriana. Para tanto, considera-se necessário discutir os principais fundamentos da Educação Popular, o método de Paulo Freire e sua importância para classe trabalhadora e para as transformações na história da humanidade.

2.      A CONCEPÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO DA EDUCAÇÃO POPULAR: SITUANDO O DEBATE

Com a história, é possível apreender que desde a formação dos primeiros grupos de organização social, o processo de educar está intrínseco à comunidade. Nas primeiras tribos que se tem notícia o conhecimento é transferido de geração a geração. Sendo possível notar nas relações cotidianas, cerimônias e rituais em que crianças aprendem e jovens são solenemente aceitos no mundo dos adultos. Tribos construíam suas “regras” de ingresso do individuo ao coletivo, as crianças desde cedo aprendiam a manusear a flecha, a caçar, além de adquirir o pertencimento ao grupo ou a comunidade. Nestes contextos, inexistia a escola formal na qual os “alunos” sentam em suas cadeiras e aguardam as lições do professor que “detém” o total conhecimento. 
Na educação primitiva, todos aprendiam e todos ensinavam em um processo continuo de descobertas e experiências transmitidas no cotidiano, na relação com outro, nas interações. Raramente havia um tempo determinado e exclusivo para “aprender”. O aprendizado era conquistado em meio a realidade concreta (vivida), nos saberes adquiridos no cotidiano e socializado igualitariamente à todos. 
Neste termos, pode-se afirmar que a origem da “educação” ainda que não adotasse o nome, está ligada diretamente com o processo de autonomia e liberdade. Isso se dava pelo fato de que todos eram tidos como iguais, comum, não havia quem sabia mais. O respeito ao chefe tribal se fazia por sua experiência e dedicação ao coletivo, mas esse deveria se dispor a aprender com os mais jovens e em formação de vida.
              Em um dado momento da história, surge a divisão territorial e com ela a divisão do trabalho, divisão das tarefas.  Ao surgir a primeira cerca, corta-se o laço nas relações que anteriormente era de unidade, partilha, comunhão.  O processo de educar com a mudança de lógica social, assume outra conotação, nasce o ensino outra não praticado. O que isso significa? Carlos Roberto Brandão nos explica:
Significa que para além das fronteiras do saber comum de todas as pessoas do grupo e transmitido entre todos livre e pessoalmente, para além do saber dividido dentro do grupo entre categorias naturais de pessoas (homens, mulheres, crianças, jovens, adultos e velhos)e transferido de uns aos outros segundo suas linhas de sexo, idade, por exemplo, emergem tipos e graus de saber que correspondem desigualmente a diferentes categorias de sujeitos(o rei, o sacerdote o guerreiro, professor o lavrador), de acordo com sua posição social no sistema político de relações do grupo. Onde todos aprendem para serem “gente”, “adultos”, um dos nossos” e, meio a meio, alguns aprendem para serem homem, e outros para serem “mulher” outros ainda começam aprender para serem “chefes”, “feiticeiro”, “artista” “professor”, “escravo”. “A diferença que os grupos reconhecem nele por vocação ou por origem, a diferença dos que esperam de cada um deles como trabalho social qualificado por um saber, gera o começo da desigualdade da educação de “homem comum” ou de ‘iniciado”, que cada um deles diferentemente começa a receber. ( BRANDÃO, 1996).

Constitui-se, segundo o autor, a divisão social do saber. A desunificação da educação. Daí pra frente o processo de ensino educacional toma diferentes rumos e vai ser usado como armas, políticas ideológicas e de dominação.  Antes ainda do espaço educacional se tornar escola, essa divisão já é visível e constatável na hierarquização do poder. Vemos na Grécia e na Roma Antiga um sistema pedagógico já controlado por um poder externo a ele, vindo de fora para dentro de uma forma hierarquizada de especialistas de ensino que tinham como principal missão reproduzir a desigualdade através da oferta desigual do saber.
Por tanto, a Educação ao se “formalizar,” institucionalizar, cria seus próprios mecanismos de avaliação e regras metodológicas, passa a influir diretamente na formação da consciência do indivíduo, fazendo hora domesticado, hora enganado, na maior parte do tempo alienado a um sistema que vai usá-lo como ferramenta de manipulação e estratégia para sua automanutenção. No entanto, encontramos nos pressupostos históricos várias formas antagônicas de apresentar a educação, de associar o indivíduo a esse processo que lhe é intrínseco, podemos encontrar na teoria Marxista, a dialética do sujeito objeto, a Práxis, na qual constata-se os processos de fazer e aprender estão inseridos nas relações de totalidade e que não faz desassociada do próprio sujeito. Para Gramsci (1989), a educação precisa cumprir o papel de promover a aquisição por parte do trabalhador que passe uma bagagem cultural universal (capacidades cognitivas e práticas) ou o desenvolvimento de uma consciência política (incorporando, desta forma, as experiências da classe trabalhadora na educação).
 Neste termos é que se coloca a discutir a educação popular como alternativa ao modelo de educação instituída na contemporaneidade. Importante destacar que o entendimento sobre educação popular passa pela assertiva feita por Carlos R. Brandão (2007), para quem edução popular é aquela:[...] fundada no absolutismo respeito ao outro, seja que for, venha de onde vier, como vier. Uma educação onde o diálogo não é apena uma estratégia de ensino ou um método didático, mas o fundamento e a razão de ser do próprio trabalho de ensinar-e-aprender (BRANDÃO, 2007 pag.8).

Na educação popular a palavra Educação, refere-se ao processo metodológico que envolve os atores interessados no exame da realidade, na troca múltipla de conhecimentos, na multiplicação dos esclarecimentos e no compromisso com a solução dos desafios. Logo, Popular, “descreve a opção da luta de classe, o lado que o sujeito se coloca para o confronto das ideias, significa, portanto a orientação da educação a uma formação que busque qualificar a ação dos militantes dos ‘insatisfeitos” para uma atuação organizada e transformadora da realidade no interesse sempre da classe oprimida.
Kosik 2002, Entende a educação popular dentro de uma concepção de educação cujo núcleo carrega a abordagem de ser humano de mundo e de sociedades como parte articuladas numa totalidade em movimento, em que a dinâmica do aprender e do ensinar é recíproca, e são atos de transformação da realidade produzidos por educadores e educando, sujeitos em ação, os educando se vêem como sujeitos, protagonistas no cenário social.
Afirmamos acima que a educação popular tem um caminho político, mais, além disso, a educação popular tem um caráter político, isso porque exige uma opção, uma identidade de princípios e estratégias. Na educação popular essa se dá pela massa popular. Se não se optar por esse caminho, está do lado oposto, daquilo que Paulo Freire (1997) chama de educação bancaria. Isso porque não há neutralidade na educação.
No bojo das teorias cientificas onde a experimentação e o rigor técnico faz-se necessário, alguns autores tentam incluir ou ao menos discutir uma ciência educacional ou como Jose Clovis (2010) coloca, como ciência popular esse conjunto de substancia teórico e método para uma educação popular. O referido autor, fundamenta-se:o conhecimento popular, a sabedoria popular, é o conhecimento produzido e apreendido na construção da existência e na produção da vida material e espiritual dos grupos sociais” (CLOVIS, 2010, p. 142).
Podemos dizer que a Educação Popular tal como é, reflexo da luta incansável desse homem humilde, Paulo Freire,  que via no outro sua semelhança, que a todos a quem enxergava compartilhava a esperança e a busca incessante de uma vida melhor e dos oprimidos enfim libertos dos seus opressores. No tópico seguinte, apresenta-se como ganha corpo esse paradigma em experiências reais espalhadas pelo Brasil, sua contribuição com a educação para a classe trabalhadora, marginalizada nos interiores, como no caso do município de Altamira -Pará.

3.      A EXPERIÊNCIA DA CASA DE EDUCAÇÃO POPULAR NO MUNICÍPIO DE ALTAMIRA/ SUDOESTE DO PARÁ

                   A história da educação popular em Altamira está diretamente ligada à história dos movimentos sociais e tem seu inicio com a luta dos trabalhadores da educação na construção do seu sindicato na década de 1980. Na década de 1990, os trabalhadores da agricultura familiar lutam pela construção da Casa Familiar Rural- CFR, luta essa que buscava uma alternativa educacional, diferenciada, que não só oferece a formação curricular normal do ensino publico, mas também a complementariedade da formação técnica, a qual dá a possibilidade de permanência do jovem no campo, minimizando, assim, o êxodo rural. 
Atravessados percalços e tentativas de uma educação popular no município de Altamira, em 2009, surge o embrião da Casa de Educação Popular, com a criação do cursinho popular. Tempos depois, inicia-se o trabalho de alfabetização de jovens e adultos, o supletivo de ensino médio e a formação cidadã continuada com todos os participes do projeto, ou seja, os ingressos nas universidades pelo cursinho, os alfabetizados, e os concluintes do ensino médio.
              A fundamentação da educação libertadora do sujeito, imortalizada na obra: Pedagogia do Oprimido de Paulo freire, caracteriza-se na ação da Casa de Educação Popular de Altamira, como centralidade de suas ações e convicções da possibilidade de uma nova sociedade, pautada na pratica cotidiana de luta dos trabalhadores para a transformação desta e, permite a construção de valores humanistas profundos. Deste modo, a Casa de Educação Popular de Altamira trabalha com o lema: “o ato de educara é na verdade o ato de recriar de re-significar o que dantes já era significadoFREIRE (1987).  A partir da citação de Freire, foca-se libertar através do movimento dialético e gerador da educação, o sujeito que até estava preso as amarras impeditivas de enxergar a realidade tal qual ela é.

3.1. Cursinho popular: o ingressar da classe trabalhadora na universidade
              O cursinho popular inicia na cidade de Altamira em 2009, sendo resultado da organização da juventude, vindo da pastoral da juventude do Brasil (PJB) suas pastorais especificas, especialmente a Pastoral da Juventude Rural (PJR) devido a região ser quase que exclusivamente camponesa. O ensino formal em Altamira é insuficiente para a habilitar seus estudantes para nível superior, a maioria dos aprovados no vestibular, para o campus da Universidade Federal do Pará de Altamira, são de outras regiões do Estado. Para suprir essa deficiência a população precisa fazer cursinhos que requerem investimentos altos, entre R$ 150,00 e R$250,00 por aluno/mês, o que para a grande parte dos trabalhadores, que recebem pouco e na maioria das vezes é responsável por toda a renda familiar, pagar um cursinho com estes valores torna-se inviável, um processo de marginalização dos marginais.
O cursinho popular, por sua vez, procurou contemplar trabalhadores que possuem renda familiar baixa e, por conseguinte não possam pagar um cursinho pré-vestibular particular. O objetivo é inseri-los na universidade através da formação e preparação para o vestibular e, além disso, propõe qualificar o grau de consciência social, política, cultural, e com isso, promover um debate na universidade quanto ao acesso, inclusão/exclusão, além de discriminação em razão da etnia e condição econômica, base central do referido cursinho.
Como afirma Freire (1987) não há um único modelo de educação e o Cursinho Popular está pautado como alternativa, a Educação Popular nascesse estabelecendo antagonicamente a educação formal, conservadora e mistificadora que vem se construído ao longo de todo o processo histórico. A Educação popular, enquanto educação da liberdade como um caminho político e pedagógico na construção de sujeitos ativos e transformadores da realidade.
              Em 2010, o cursinho faz uma parceria com a Universidade Federal do Para / Campus de Altamira, que passa a cediar as turmas do cursinho, permitindo implementar diversas mudanças, dentre elas, destaca-se a organização das aulas periódicas de segunda a sexta feira. Cada turma tem um representante que faz parte da coordenação política pedagógica do cursinho, escolhidos pela própria turma.
              Exemplo de eficácia foi a avaliação do ano de 2010 que contou com a aprovação de 37 (trinta e sete) educandos no vestibular, além da participação desses educando em debates e fóruns ocorridos na cidade de Altamira. O que estimulou a coordenação do cursinho e proporcionou o reconhecimento do método junto a comunidade Altamirense.
              Em 2011, continua a parceria com a Universidade Federal do Pará, mais aparece a necessidade de conquistar um espaço próprio para atender as proposições dos alunos que queriam garantir estudar em grupo, fazer trabalhos aos finais de semana e ter um espaço de integração e que também viesse a servir de Secretaria Administrativa para potencializar e qualificar o trabalho coletivo. Infelizmente, o recurso era insuficiente e o cursinho não conseguiu materializar tal projeto, vale ressaltar que o cursinho nunca teve apoio governamental, municipal, Estadual ou Federal, e que por uma algumas vezes foi auxiliado por uns pequenos projetos de instituição comprometida com a luta popular.
              E importante destacar ainda, as atividades adicionais desenvolvidas no cursinho popular como: os corujões; saraus; aulas passeios; apresentações teatrais, baseadas no teatro do oprimido sobre conteúdos programáticos do ENEM e do vestibular da UFPA ou sobre um possível tema de redação.  A contribuição de alguns professores da Universidade Federal no processo de formação da coordenação político pedagógica do cursinho popular e dos professores foi de fundamental importância.
              Sempre que as aulas iniciam, educadores e educandos são apresentados ao método que fundamenta a Casa de Educação Popular, baseado na pedagogia de Paulo Freire, Uma espécie de orientação vocacional oferecido pela UFPA/Campus de Altamira.  A universidade Federal do Pará, por meio do Campus de Altamira, muito tem contribuído com o processo de consolidação do cursinho popular em Altamira oferecendo além da estrutura física do campus a assessoria de seus docentes na área pedagógica e política. Há inclusive um debate para incluir o cursinho popular como atividade de extensão da universidade.
              Para além da parceria estabelecida, destaca-se aqui a interpretação dada por egressos do cursinho popular, o qual destaca em sua fala a importância da de metodologias diferenciadas no cursinho:
O método da educação popular é muito acertado, pois diferente é da educação bancaria que nos usam apenas como deposito da ideologia dominante. E a Educação Freiriana vem nos libertar dos grilhões que nos aprisionam  (Egresso 1).
A fala do referido egresso, revela que o método que fundamenta as aulas na Casa de Educação Popular, está para além de uma formação técnica e visa à libertação do sujeito e a protagonização deste no seu verdadeiro papel social, pois o método de Paulo Freire parte da análise da realidade concreta, em uma relação dialógica contínua entre educando e educador. Sendo apresentados temas geradores que surgem da problematização da vida pratica dos educando, a qual se torna extremante importante no método Freiriano, o contato direto do educador com educando, o conhecimento da sua história, como está inserido no contexto social, quais são suas aspirações suas angustias, qual sua leitura de vida, A partir desse momento o educador extrai o conteúdo a ser trabalhado.
              Nesse sentido, destaca-se que é reconhecida a importância do cursinho popular para a sociedade altamirense, a população reconhece nesse instrumento uma via alternativa de grande valia para o avanço da classe trabalhadora via educação, revelada na fala de outro egresso do Cursinho Popular:
Primeiramente o preço muito abaixo do nível de “mercado” que vem atender diretamente a classe trabalhadora e os horários alternativos que possibilitavam a participação da juventude trabalhadora que duramente a semana já estudava no ensino e a noite trabalhava durante o dia ( Egresso 2)
  Quando questionados sobre a importância do cursinho popular na cidade interiorana do Estado do Pará os egressos revelaram que:
Teve uma importância muito significativa, além de despertar minha consciência social, me fez passar em dois vestibulares e me levou a entra na universidade entendendo o papel que eu devo desempenha r dentro dela (Egresso 1).
A possibilidade de acesso da classe trabalhadora por ser um valor insignificante, e o método de trabalho, com uma relação completamente diferente do educador para com o educando. Sem dúvida, desperta a consciência das pessoas e leva a entender o seu papel na transformação da sociedade (Egresso 2).
Como se observa, as falas dos sujeitos entrevistados, evidenciam a importância de um espaço educacional pensado por e para a classe trabalhadora e que além de atender os seus anseios no aspecto mercado de trabalho, traz em seu bojo a preparação para a vida cidadã, para a libertação da opressão, pilar filosófico da Educação Popular.
3.2.Alfabetização Popular
              No ano 2011, intensifica-se a luta contra o empreendimento Hidrelétrico de Belo Monte, no município de Altamira e aparece nesse contexto, contato direto com as massas e sua dura realidade, os altos índices de analfabetismo, situação essa que vem a ser um novo instrumento de atuação da Casa de Educação Popular.  Em fevereiro de 2012, um grupo de professores do Movimento Popular vão aos dois principais bairros periféricos de Altamira, Bairro Boa Esperança e Invasão dos Padres com toda coordenação politica-pedagógica da casa e formam em duas semanas, nove (09) turmas de Alfabetização de Jovens e Adultos, que após formadas foram inseridas no Programa do Governo Federal Brasil Alfabetizado que tem parcerias com as prefeituras municipais.
              Nesse trabalho ficou evidenciado que a realidade diária reflete e interfere diretamente na possibilidade de avanço dos indivíduos tanto na questão do trabalho que os levava a não participar de todas as aulas, quanto à falta de infraestrutura nos bairros, tendo como exemplo a falta de energia elétrica que fora bem frequentes, assim como os problemas no abastecimento de agua.
              Tudo isso somado a naturalidade dos crimes que levavam a atuação das forças repressivas do Estado nos bairros, estourando bocas de fumo e repreendendo outras atividades ilegais ficando nesses dias também muito perigoso para a movimentação dos educandos no período noturno, soma-se ainda a essas dificuldades, o descaso dos órgãos públicos municipais na administração do programa Brasil Alfabetizado. Mesmo, mediante a essas dificuldades, vimos na alfabetização a possibilidade de construir junto com os educandos, aquilo que sempre lhes foi negado, a alfabetização, o instrumento para ajudar a construir a história junto com aqueles que estão proibidos de ser, devido a situação de opressão em que se formaram e em que se realizam sua existência, proibidos de serem homens, mulheres, proibidos de serem cidadãos pela situação de violência em que se encontram.  
              Assim, foi desenvolvido em 2012 as aulas de alfabetização iniciando com uma grande aula inaugural com todas as turmas e a presença de Professores da Universidade Federal e da Coordenação Pedagógica da Casa de Educação Popular. Ao termino do ano, aproximadamente 70% dos educando foram alfabetizados. A fala das educandas da Alfabetização Popular destaca a importância da mesma em sua vida:
A vontade de aprender a ler e escrever me levou a voltar à alfabetização, Para ler as correspondências que chegavam em minha casa, eu dependia dos vizinhos. Há. Tudo mudou, vejo as coisas de outro jeito, depois de meus filhos foi a melhor cosias que deus me deu. É muito bom o jeito das aulas, é a educação do povo mesmo. Adoro. As aulas são maravilhosa, não vejo a hora que tenho que ir, às vezes quando eu não vou, fico muito chateada, em muitos dias é o melhor hora do dia pra mim. Corresponde muito  (Educanda 1).
Sim, com certeza, eu trabalho em um açougue e já falei pro meu patrão que a gora eu sei lê e escrever, então eu não sirvo mais só pra limpar chão, ja posso ficar no caixa, rs, Estudar é uma chance que agente tem de crescer né, arrumar uma trabalho melhor, saber questionar as coisas, aprender a viver né. Tudo isso eu estou aprendendo com a alfabetização (Educanda 2).

              O ato de ler e escrever de forma prazerosa, fora dos ditames do tradicionalismo, é evidenciado nas falas acima.  Mészaros (2002) enfatiza que é necessário pensar uma educação para além do capital, uma educação que transcendesse o vulcro da futilidade formal e abstrata que se faz nos sistemas categóricos de ensinamentos paliativos e dormentes. Freire, por sua vez e a sua época. destacou que enquanto na concepção bancaria, o educador vai enchendo os educandos de falso saber, na prática problematizadora, vão os educandos desenvolvendo seu poder de captação e de compreensão do mundo que lhes aparece, em suas relações com ele, não mais como uma realidade estática, mas como uma realidade em transformação, e isso é o que percebemos nos sujeitos da alfabetização popular.
              Em 2013, as condições objetivas não permitiram ter o mesmo número de educando do ano anterior, vendo que aos desinteressados pela emancipação da mente humana, a ferramenta educacional utilizada em prol da classe trabalhadora poderia vir a ser a contraposição, assim sendo as escolas em que funcionavam as turmas foram impedidas de servir a esse propósito nobre de alfabetizar, e os educadores tiveram que procurar espaços longicuos das casas dos educandos o que acarretou em desistências forçadas por parte dos mesmos, sendo que o grau de periculosidade, os horários não os permitiam frequentar.
              Soma se a isso também o efeito Belo Monte[4], que recrutou grande parte dos trabalhadores para fazerem os trabalhos braçais dos canteiros, sem deixar espaço para que esses vivam para além do oficio. Ainda assim, as atividades de alfabetização, em 2013, iniciaram com três turmas implementando o mesmo método da Educação Popular, discutindo, dialogando e fazendo o prender das letras com o aprender do mundo, já em meados desse ano, vemos o resultado satisfatório, companheiros e companheiras que iniciaram as aulas sem conhecer e sem ler as palavras, já desfrutam desse “privilegio” que lhes foi negado por tanto tempo.

3.3.Supletivo de ensino médio Popular.
              Assim como nas outras áreas de atuação da casa de educação popular, foi detectada a necessidade de criar instrumentos para suprir parte da demanda apresentada, também o alto índice de trabalhadores e trabalhadoras que não haviam concluído o ensino médio, e isso dificultava muito suas vidas para ingressar no mercado de trabalho de forma mais qualificada.  A coordenação da Casa de Educação Popular definiu então, apostar na construção de mais um instrumento que viesse atender legalmente a classe trabalhadora, constitui-se então uma equipe pedagógica que faria funcionar o Supletivo de Ensino Médio, no sistema blocado onde ao final de dezoito (18) meses, o educando sairia com o diploma de conclusão do ensino médio.
              No início de 2013, foi dedicado atenção especial ao Supletivo do Ensino Médio para poder atender suas exigências formais, a aula inaugural aconteceu no dia 8 de março, dia internacional da mulher, onde além da apresentação dos educadores e da metodologia, foi realizado um debate com a presença de mulheres que atuam nos diversos movimentos sociais, debate esse sobre o papel da mulher na sociedade contemporânea. O número de procura foi muito grande chegando a cento e cinquenta (150) inscritos. As aulas acontecem de segunda a sábado, e prioriza também o Método Educacional de Paulo Freire.  Esse instrumento de trabalho diferentemente da alfabetização e do cursinho popular busca ainda sua consolidação e está em fase de regularização para certificação devida e merecida dos educandos. Um ganho que podemos apontar com o supletivo, foi a possibilidade de garantir um espaço próprio onde funciona não só as aulas do supletivo mais várias outras atividades relacionada a Educação Popular. Sobre a EJA Popular vejamos o relato da educanda:
 A facilidade que é oferecida pelo o EJA, de concluir o ensino médio em um tempo menor, e o preço diferenciado. Também os horários no fertados. Um grande oportunidade que vai possibilitar o termino do ensino médio em um tempo mensor, e uma melhor projeção pra o mercado de trabalho (Educanda 1).

Alguns supletivos da região estão atendendo só as pessoas ligadas ao consorcio construtor belo monte, e o supletivo da casa dede braços abertos educação popular para todos. Tem bons professores, que dão aos alunos uma atenção diferenciada. Com certeza, porque aui nessa região muitas pessoas não conseguem ter acesso ao ensino médio e principalmente pela casa de educação popular ter um a metodologia diferenciada que desperta o aluno para atuação na sociedade (Educanda 2).
        A Educação de Jovens e Adultos da Casa de Educação Popular é uma oportunidade para a classe trabalhadora dar seguimento aos seus estudos, oportunidade de ver a educação como prática de liberdade e não como prática de dominação, pois a logica da Educação Popular é “quanto mais se problematizam os educandos e com o mundo, tanto mais se sentem desafiados” (FREIRE, 1987).

4.      FINALIZANDO
              A CASA DE DUCAÇÃO POPULAR- CEP é o instrumento que engloba ferramentas e práticas de educação popular.  E o mais importante, acredita que a educação é possibilidade de se saltar com qualidade para uma sociedade justa e fraterna, onde os trabalhadores e trabalhadoras são os principais protagonistas da história. Cria-se a Casa de Educação Popular em Altamira juntamente com a Associação Casa de Educação Popular pela necessidade de se ter uma espécie de “congregação” que possa organizar política e pedagogicamente todos os trabalhos desenvolvidos por esse grupo formados pela juventude dos movimentos sociais, universitários, professores e militantes das causas sociais que se dedicam a estabelecer a relação educação-trabalho- cultura, desenvolvimento humano e formação do sujeito.
              Assim sendo, aponta-se a CASA DE EDUCAÇÃO POPULAR como uma dos principais mecanismos de ligação entre classe trabalhadora e apropriação do conhecimento para que o mesmo esteja a serviço da construção de um projeto popular que represente uma alternativa ao modelo de opressão capitalista, pois como afirma Freire (1987), nenhuma pedagogia libertadora pode ficar distante dos oprimidos, quer dizer, pode fazer deles seres desditados, “objeto” de um tratamento humanitarista, para tentar, através de exemplos retirados de entre os opressores, mecanismos para a sua promoção social. Os oprimidos hão de ser o exemplo para si mesmo na luta por sua libertação.
              Hoje a CEP prima com os princípios de valorização da vida humana como motor impulsionador, agregador que é passivo em si próprio da transformação social. Acreditando que é do conhecimento que nasce a ação transformadora e que educar é um ato de amor, como já dizia Paulo Freire. Por fim, ter a pedagogia do exemplo, vivencias de valores e crenças, consciência e disciplina, como princípio norteador faz da Casa de Educação Popular, um instrumento social em construção pelo povo.
              Ao finalizar este ensaio, fica o compromisso de compreender ao longo do tempo os percalços e potencialidades da educação popular em Altamira, sobretudo na perspicácia de contribuir para a afirmação da Casa de Educação Popular como alternativa de formação libertadora para os oprimidos do município de Altamira e região.

5.      REFERENCIAS:

ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith. Relevância e aplicabilidade da pesquisa em educação. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, n.113, p.39-50, jul. 2001.
ANDRÉ, Marli E. D. de. Estudo de caso em pesquisa e avaliação educacional. Brasília: Líber, 2005. (Série Pesquisa, 13).

AZEVEDO, José Clóvis de. Educação Popular: alguns elementos epistemológicos. Revista da Faculdade de Direito UniRitter,Porto Alegre, n. 11, p. 139-155, 2010.

BORDA, Orlando Fals. Aspectos Teóricos da Pesquisa Participante. In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues (Org.). Pesquisa Participante. São Paulo Brasiliense, 1999.
BRANDÃO. Carlos Rodrigues. O que é Educação? São Paulo: Brasiliense, 1996.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1997.
FREIRE.  Paulo.   Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
GRAMSCI, Antônio. Concepção Dialética da História. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1986.
KOSIK, K. A Dialética do Concreto. Tradução Célia Alves e Alberico Toríbio. 7ª. Ed. Rio81. de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
LIMA, Licínio Carlos. Políticas educativas e educação popular. In: RAMOS et al (Orgs.). Investigação ação participativa. Recife: NUPEP, Edições Bagaço, 2006.
MARX, Karl. O Processo de produção do capital. In: ______. O Capital: crítica da economia política. 22. Ed. Tradução: Reginaldo Sant‟na.: Rio de Janeiro: Civilização, 2008. Livro Primeiro, v. II, p. 572-930.
MESZÁROS, István. Para além do Capital. São Paulo: Boitempo, 2002. (Cap. 2, p.95-132; Cap. 14, p. 605-633; Cap. 25, p.1079-1093).
RAYMOND.  A. Morrow e. TORRES. Carlos A. Gramsci e Educação Popular na América Latina: percepções do debate brasileiro v. 4, n. 2, pp. 33-50, Jul/Dez 2004. Disponível em: www.curriculosemfronteiras.org acesso em 25 de junho de 2013.
SOUZA. Ana Inês (org.). Paulo Freire Vida e Obra. São Paulo: Expressão Popular, 2008



[1] Acadêmico do curso de Geografia da Universidade Federal do Pará/ Campus de Altamira. Educador da Educação básica do Município de Altamira.
[2] Professora na Area Pedagógica da Universidade Federal do Pará/ Campus de Altamira. Mestre em Educação
[3] Professor de Geografia da Universidade Federal do Pará/Campus de Altamira. Doutor em Desenvolvimento Econômico, Espaço e Meio Ambiente. Líder do Grupo de Estudo Desenvolvimento e Dinâmicas Territoriais na Amazônia – GEDETAM e Coordenador do Programa de Iniciação a Docência em Geografia do Campus Universitário de Altamira.
[4] Hidrelétrica que se encontra em processo de construção na Região do rio Xingu

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Como transformar o Amor em ódio

Educação Popular e Educação do Campo

Aula passeio do Cursinho Popular

A Final do Campeonato

Educação e Trabalho

Quem é o Mito?