EDUCAÇÃO NÃO É MERCADORIA
Por Fábio Barros e
Thaís Nascimento
Educação
não é mercadoria! Quando lançamos como palavra de ordem esta construção frasal,
não estamos simplesmente mimetizando outras pautas e bandeiras de lutas.
Contudo é claro que as determinações históricas dos acúmulos teóricos da classe
trabalhadora ao longo de suas formulações científicas, bem como das
experiências acumuladas dos lutadores e lutadoras do povo por um Projeto
Popular para o Brasil, se impõem como elementos quase que categóricos para esta
formulação. Educação não é mercadoria!
Mas
para entendê-la precisamos, antes de tudo, compreender o que é educação,
olhando suas determinações ao longo da construção social humana, bem como,
fazer o mesmo movimento para a categoria mercadoria, apresentada aqui como uma
das determinações centrais para a nossa construção social, uma síntese da assim
chamada sociedade burguesa.
Para
nos aprofundarmos nas determinações da sociedade burguesa, extraindo algumas
categorias que nos servirão de análise para a mercadoria, precisamos investigar
como elas se colocam para nós no mercado, indo mais a fundo, sendo por
excelência radical, etimologicamente falando, buscando na raiz, vamos encontrar
o valor dos objetos, veja o que eu escrevi, OBJETO!
Temos
o valor de uso e depois do avanço das relações sociais o valor de troca. Valor
de uso é um valor simples, ou seja, é o quanto aquele determinado objeto vale
para mim, como ele vai me ajudar com os afazeres do cotidiano, como ele
simplesmente me ajuda a superar os fenômenos naturais. Exemplo, qual o valor
que o meu óculo tem para me fazer enxergar melhor? Isso é o que eu ou você que usamos o objeto
teremos que dizer.
Contudo,
se eu tenho dois óculos e só uso um, eu poderia (mesmo tendo as forças
produtivas para tal, e o domínio da técnica) empregar trabalho e produzir mais
óculos para ajudar outras pessoas a melhorarem sua visão também. Esses óculos
produzidos serão então mercadoria? Ainda não, para isso eles precisarão do
mercado, ganharão o valor de troca.
Eu
preciso de lápis, posso trocar pelos mesmos óculos, mas a pergunta agora é:
quantos lápis valem um óculo? Para responder essa pergunta, nós vamos colocar
os dois produtos em equivalências, mas precisamos de um referencial, e para achá-lo
precisamos perguntar: como os óculos e o lápis chegaram até aqui? Ora! Lápis e
óculos não dão em árvores.
Para
colocar o grafite por dentro de um pedaço de madeira cilíndrica, ou mesmo
lapidar areia derretida para ampliar os detalhes da minha visão, correndo o
risco de ser redundante, precisamos de trabalho humano, modificando a natureza
para superar os fenômenos naturais.
Agora
temos o nosso referencial! Para colocar em equivalência o objeto óculos e o
objeto lápis, temos o referencial trabalho. Ou seja, para medir quantos lápis
valem um óculo, temos que medir quanto de trabalho e tecnologia (logo, mais
trabalho) existem em cada um dos objetos. Mas ainda aqui existe um empecilho
para o mercado, temos a sua gênese, mas não o seu desenvolvimento de fato. Eu
não preciso de muitos lápis, nesse momento só preciso de um, talvez dois! Eu
preciso também de uma borracha e de papeis, e não posso sair por aí com os meus
óculos, trocando por tudo que preciso.
É
então que para resolver tudo isso e equivaler todos os objetos produzidos, nasce
o equivalente geral. E assim através de um pacto consensual, a sociedade
imprimiu em metal e depois em papel, e hoje até mesmo em bits o valor
equivalente para as trocas, a categoria que chamamos dinheiro. E é assim que
através do dinheiro fazemos surgir quase que por uma aparição fantasmagórica, o
objeto de minha vontade na minha frente, desde que eu tenha o valor de sua
equivalência, óbvio.
A
questão é que esse objeto carrega na sua gênese, trabalho humano, mas que não é
meu, e que agora se põe para mim, quase que como uma aparição fantasmagórica, com
pessoalidade alheia a minha, e que me confronta. Isso o mercado saberá usar
muito bem, pois na nossa narrativa, ele ainda precisa avançar. Só
operacionalizar e mediar as trocas não basta, é preciso ampliá-las e potencializá-las.
Aqui
o mercado começa a ganhar ideologia, ele também começa a se colocar como
condição fantasmagórica, ele sobrepõe os valores de uso, os metamorfoseia,
aliena-os, ou seja, distorce a realidade para recolocá-los como fetiche, dando
vida própria ao objeto, colocando nele sua ideologia, transformando-o agora
sim, em MERCADORIA.
Agora
quando o objeto se põe para mim, ele não mais se coloca pelo seu valor de troca,
ele se põe como mercadoria, com subjetividade e a ideologia do mercado, se
apresentando como fetiche, e na contradição com a minha subjetividade se
sobrepõe a mim, transformando-me de sujeito a objeto. Eu passo a servi-lo, e
ele passa a me usar, me desumanizando, abstraindo-me de minha subjetividade.
Agora ele me tem, invertendo a ordem inicial das coisas. Não sou mais eu que
tenho o objeto, é o objeto que me tem.
Se
você duvida, voltemos aos óculos então... Eu não quero um óculo qualquer, eu
quero um modelo bonito (quem disse o que é bonito? muito abstrato este conceito!),
mas é mais caro. Não importa...! O importante é que ele é bonito! E aqui talvez
uma calça me ajude mais. E aí você diz: eu quero aquela calça porque ela é
bonita. Mas ela não cabe em você. Não importa eu me aperto ou emagreço para
caber nela. Ou seja, não é mais a calça ou o óculo que tem valor de uso para
mim, é eu que tenho que me ajustar a calça e aos óculos, são eles que me usam.
O
mesmo vale para um celular, ou um carro, uma bicicleta que seja. Quantos
passeios eles me privarão? terei que mudar o meu cardápio para que eles me
controlem? Posso até mudar o meu jeito de vestir. Pois é!
Mas
até aqui, nos aprofundamos na teoria sobre mercadoria, e mais uma vez estou
sendo radical, teoria no real sentido da palavra. Ainda precisamos completar a
nossa construção frasal, aprofundando agora na teoria sobre educação, para
entender por que ela não pode ser mercadoria. Para isso vamos aprofundar na
evolução e desenvolvimento do ser humano.
Logo
a primeira pergunta que fazemos é: o que é o ser humano? Assim como todos os
primatas evoluímos agrupados em bando para enfrentar melhor os fenômenos
naturais, no que em ecologia chamamos de relação ecológica de sociedade. Esta
condição moldou nossa morfologia e fisiologia, a ponto de ter até o branco dos
olhos como fundamento essencial na comunicação, fundamento dos mais importantes
para ampliar as relações sociais.
Mas
aqui ainda não temos o passo definitivo para nos tornarmos humanos. Somos uma
eterna dualidade entre nós e a natureza. Vivemos subjetivando todas as nossas
experiências, que se colocam como determinações históricas de nossa construção
social, nos tornando uma síntese de todos esses traços históricos, definindo-nos
como sujeitos históricos. Afinal, não é impossível duas pessoas parecidas ou
próximas, que viveram as mesmas experiências, serem iguais, como dois seres com a mesma formação cognitiva, uma
singularidade. Cabe ressaltar que talvez por isso a arte seja tão magnífica... nunca
mais ninguém pintará outra Monaliza, pois ela expressa a singularidade de
Leonardo da Vince, pois nunca mais existirá outro Da Vince.
E
é aqui que essa subjetivação rompe com a contradição entre ser humano e
natureza, colocando-se como uma nova contradição singular. Os seres humanos
precisam impor suas subjetividades, se objetivando na realidade concreta.
Fazemos
isso de forma mais perene, através de um olhar, sorriso ou mesmo na fala. Porém
existem formas mais duradouras de se impor, como através da arte, das ciências,
da filosofia ou do trabalho.
E
é no trabalho que os seres humanos depositarão todas as sínteses de suas
determinações históricas, o seu resultado passa a ser um resumo da essência humana,
a ponto de ser a sua realização ontológica, pois é nesse momento que se resolve
a contradição humana com a natureza, colocando de forma dialética novas contradições.
Mas
como tudo isso se relaciona com educação? Quando essas objetivações são
compartilhadas entre os seres humanos, criando subjetividades, surge uma nova
entidade, com mais acúmulo histórico, maior possibilidade de sobrevivência, com
maior capacidade de enfrentar os fenômenos naturais. Mas agora essa entidade é
coletiva, imbricada em complexas relações sociais. A partir de então os seres
humanos passam a existir como singularidade, mais uma singularidade dependente
e construída pelas suas relações sociais dentro de uma totalidade.
Para
a manutenção da produção e reprodução social, homens e mulheres passam a se
relacionar, buscando se desenvolver enquanto sociedade, e logo, enquanto seres
humanos, trocando conhecimentos e saberes determinados por sua construção
histórica, conhecimento esse que terá valor de uso para sua objetivação como
ser histórico que é. Opa! Eu disse valor de uso? Parece que voltamos à estaca
zero? Não, porque fizemos o caminho até aqui... subjetivamos várias das objetividades
aqui contidas. Agora podemos concluir que o conhecimento não é material
(objeto), e sim a essência da síntese de várias determinações capturadas de um
determinado fenômeno, materializando-se no plano subjetivo a real forma desse
traçado histórico, ao qual chamamos teoria.
Mesmo
assim ele pode seguir o mesmo caminho do objeto produzido pelo trabalho e virar
mercadoria?
Eu
diria que não, pois quando este movimento ocorre, o conhecimento, de teoria que
é, carrega-se de ideologia e, como na mercadoria, vira uma alienação,
deformando a realidade e convertendo aqueles que o tem em objetos
desumanizados. E ela, a alienação, como tal passa a destruir a objetivação mais
essencial dos seres humanos, alienando o trabalho, e como não haveria de ser
diferente, passa a deformar também a sociedade, o que inevitavelmente reduz
nossa capacidade de concorrer com a contradição ser humano natureza,
fragilizando-nos como seres históricos.
A
questão é que a educação como alienadora, mercantológica e bancária está em
curso na sociedade burguesa, e não à toa, a cada dia nos aprofundamos numa
crise social sem precedentes, decompondo em alta velocidade as nossas relações
sociais viventes, levando ao aprofundamento de crises políticas.
Daí
você pode me perguntar: o que fazer então? Obviamente eu não tenho a resposta,
só tenho uma certeza, embasada aqui teoricamente. A única saída é romper com a
lógica alienadora e desumanizante do mercado, para transformar novamente os
agora objetos ideologizados novamente em seres humanos, construindo uma
educação baseada nas relações sociais mediatizadas pelo mundo real. A essa
inversão de lógica, a esse movimento histórico, chamamos Educação Libertadora. A
educação não é, e não pode ser mercadoria, pois na verdade a sua tarefa é nos
libertar das amarras do mercado.
Então
finalizo! Uma educação realmente libertadora, não tem como ser construída na
sociedade do capital, mediatizada pelo mercado, o que nos resta então é seguir
ensaiando o que ela será, através dos seus representantes antagonistas da
classe dominante da sociedade burguesa, se movimentando na classe trabalhadora,
através da Educação Popular.
Casa de
Educação Popular
Por um
Projeto Popular para a Educação
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