OBJETOS DE CODIFICAÇÃO NO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA

Por Thaís Nascimento e Fábio Barros

Imagem: Thaís Nascimento

Apesar de estar presente no cotidiano, a Ciência pode parecer algo distante para a sociedade. A forma como tal área é apresentada por meio das mídias sociais, cheia de fórmulas e equipamentos modernos acaba se distanciando do que é real para a maioria das pessoas (CARVALHO; GONZAGA; NORONHA, 2017). Entretanto, o conhecimento científico deve ser a base para a estruturação do ensino nas escolas, para a formação de sujeitos sociais que pensam com criticidade e autonomia (DE SOUZA; PIRES; SOUZA, 2018).

            Dentro do ensino de ciências da natureza, o método científico é fundamental para levar o educando a entender o mundo, aplicar o conteúdo no cotidiano, questionar a realidade e criar suas próprias experiências através das vivências cotidianas (SILVA; FERREIRA; VIERA, 2017). Para que isso ocorra é necessário que o estudante consiga se apropriar do conhecimento construído em sala de aula. A grande problemática é que a forma tradicional de ensino se distancia do método científico e inclusive vai contra a Base Nacional Comum Curricular, que estabelece a curiosidade, a investigação e formulação de hipóteses como metodologia a ser inserida no Projeto Político Pedagógico da escola (BRASIL, 2018) contribuindo assim com o processo de ensino e aprendizagem e letramento científico (SILVA et al., 2018).

            Os termos científicos apresentados em sala de aula somente através de recursos tradicionais, como o quadro branco ou slides, fazem com que o conhecimento se torne ainda mais abstrato, por isso é preciso trazer tais termos para a realidade dos estudantes (MATTAR; AGUIAR, 2018). O uso de objetos de codificação, apresentados por meio do método da Educação Popular pelo pedagogista, escritor e patrono da educação brasileira Paulo Freire se mostra como opção viável e que se adequa as diferentes realidades dos estudantes.

            Os objetos de codificação são instrumentos didáticos que auxiliam na construção do conhecimento. Tal metodologia tem sido amplamente utilizada desde a criação dos primeiros círculos de cultura (HEIDEMANN et al., 2017). O objeto de codificação é utilizado a fim de representar de forma concreta o assunto da aula, chamado de tema gerador. Tal tema é previamente escolhido com base em uma investigação temática estrutural do cotidiano dos educandos, a fim de estabelecer um diálogo entre o conteúdo e a realidade (FONSECA et al., 2018).

            A questão é que não existe receita pronta para se fazer a educação, assim como não há objetos de codificação pré-definidos, tais elementos, igualmente ao tema gerador, só podem ser escolhidos com base na conjuntura em que os educandos estão inseridos (GONÇALVES, 2018). O debate central quando se trata dos objetos de codificação é que estes devem servir de suporte para a aula, sendo simples, de fácil acesso por parte do educador e relacionado com o tema gerador e cotidiano dos educandos. Ao observar o objeto de codificação, o educando estabelece uma relação dialética, em que é possível materializar, relacionar, deixar o conteúdo concreto (HEIDEMANN et al., 2017).

Dessa forma, ao olhar no primeiro instante para o objeto codificador, o educando o observa através de seu conhecimento empírico. Ao analisar este objeto no contexto do conteúdo com o auxílio do educador, esmiuçando desde sua forma até sua produção,  decodificando esse objeto, ele constrói o conhecimento, utilizando-se das suas objetivações e subjetivações (LOPES; SUTIL, 2019). Ao terminar essa viagem por esse universo de novas informações e retornar para o objeto tal como ele é, a forma como o educando o observa já não é mais a mesma, agora o olhar deste é uma síntese de determinações (DE ALMEIDA; GRUBISICH, 2011). 

Durante o processo decodificação é possível ainda aguçar a consciência crítica do educando através da análise não só do que está no livro didático, mas da relação daquele objeto com o contexto sociocultural em que o educando está inserido (BALSAS; TERESINHA; FREIRE, 2018).  Isso contribui com a emancipação do estudante enquanto sujeito social, e a educação dialética agora passa a contribuir com a desconstrução da alienação, se tornando uma forma concreta de libertação por meio do conhecimento dentro do contexto da luta de classes (FERNANDES; FRANCO, 2016).

Os objetos codificadores podem ser levados para a sala de aula, podem estar no pátio da escola, podem ser figuras representando elementos do cotidiano, sendo os mais diversos possíveis. Sua apresentação dependerá da preparação prévia do educador já entendido sobre o cotidiano dos educandos através da investigação prévia (HEIDEMANN et al., 2017). Para ensino de botânica, é possível se utilizar de plantas nativas locais; ao estudar os animais, apresentar aos educandos codificações como os animais do bioma onde estão inseridos; ao estudar genética é possível analisar a raiz, a história do povo que constituiu aquela cidade/estado, apresentando os traços presentes nos próprios indivíduos, transformando-os na própria codificação. Isso faz com que o educando se sinta parte da escola, se sinta construtor do conhecimento (FREIRE, 2001).

Diante do ensino público sucateado e baseado na lógica de uma educação formal e bancária (LIMA; BARRETO; LIMA, 2007) é preciso inovar na forma de ensinar, é preciso estimular o educando a entender que o espaço escolar não é um local que constitui uma obrigação de ensino, mas que ele faz parte da escola, que aprender é um processo prazeroso, que as informações repassadas pelo educador tem funcionalidade em sua vida (MOURA; DA SILVA; SANTOS, 2016).

Para que isso ocorra é necessário que o sistema educacional se dispa dos velhos métodos, das antigas metodologias que não contribuem com a formação crítica e social dos educandos e se renove através de uma educação que prepare o estudante para a vida. (LOPES; SUTIL, 2019). Os objetos de codificação são um dos elementos metodológicos que podem contribuir com isso, visto seu sucesso nos círculos de cultura propostos por Paulo Freire e adaptado a outras modalidades de ensino por meio de instituições que trabalham com o método da educação popular (CORTEZ et al., 2018).

Educar para criar o poder popular!

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BALSAS, F. DE; TERESINHA, C.; FREIRE, P. PEDAGOGIA DO OPRIMIDO E APRENDIZAGEM : REFLE- XÕES ACERCA DO PENSA-. REVISTA CIENTÍFICA DA FACULDADE DE BALSAS, v. 9, p. 15–21, 2018.

BRASIL. Base Nacional Comum - BNCC. Mec, p. 600, 2018.

CARVALHO, M. T.; GONZAGA, A. M.; NORONHA, E. L. Vista do DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA: DIMENSÕES E TENDÊNCIAS, TENDÊNCIAS NO ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA. Disponível em: <http://periodicos.uea.edu.br/index.php/arete/article/view/27/24>. Acesso em: 11 jul. 2020.

CORTEZ, Y. B. et al. Vista do A Educação Popular e os Direitos Humanos – afinidades e experiências de uma outra (e possível) educação. Dignidade Re-Vista, v. 3, 2018.

DE ALMEIDA, J. L. V.; GRUBISICH, T. M. O ensino e a aprendizagem na sala de aula numa perspectiva dialética. Revista Lusofona de Educacao, n. 17, p. 65–74, 2011.

DE SOUZA, C. B. S.; PIRES, D. M.; SOUZA, W. K. DO A. A perspetiva CTSA nos manuais escolares de ciências: um estudo comparativo entre Brasil e Portugal. The perspective STSA in school textbooks of sciences: a comparative study between Brazil and Portugal., v. 10, n. 2, p. 1–17, 2018.

FERNANDES, G. F. G.; FRANCO, S. A. P. A apropriação do conhecimento como elemento de transformação do trabalho educativo. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, v. 11, n. 4, p. 2191–2204, 2016.

FONSECA, K. N. et al. MILTON SANTOS E PAULO FREIRE NA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS: A FORMA-CONTEÚDO EXPRESSA NO TEMA GERADOR. Investigações em Ensino de Ciências, v. 23 (2), p. 331–351, 2018.

FREIRE, P. Carta de Paulo Freire aos professores. [s.l: s.n.].

GONÇALVES, P. S. L. a Evocação Do Pensiero Debole Na Teologia Da Libertação. Interações, v. 13, n. 24, p. 391–413, 2018.

HEIDEMANN, I. T. S. B. et al. Reflexões sobre o itinerário de pesquisa de Paulo Freire: Contribuições para a saúde. Texto e Contexto Enfermagem, v. 26, n. 4, p. 680017, 2017.

LIMA, P. G.; BARRETO, E. M. G.; LIMA, R. R. FORMAÇÃO DOCENTE: UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA. Educere et Educadare Revista de Educação, v. 2, p. 91–101, 2007.

LOPES, E. F.; SUTIL, N. Visualização de Ciência, tecnologia, sociedade, ambiente e fenômenos ondulatórios: implicações de processos de problematização e argumentação no Ensino Médio. Disponível em: <https://proa.ua.pt/index.php/id/article/view/6688/4900>. Acesso em: 11 jul. 2020.

MATTAR, J.; AGUIAR, A. P. S. METODOLOGIAS ATIVAS: APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS, PROBLEMATIZAÇÃO E MÉTODO DO CASO. Cadernos de Educação Tecnologia e Sociedade, v. 11, n. 3, p. 404, 1 nov. 2018.

MOURA, N. A. DE; DA SILVA, J. B.; SANTOS, E. C. DOS. ENSINO DE BIOLOGIA ATRAVÉS DA ILUSTRAÇÃO CIENTÍFICA TEACHING OF BIOLOGY THROUGH THE SCIENTIFIC ILLUSTRATION. Revista Temas em Educação, v. 25, p. 194–204, 2016.

SILVA, A. F. DA; FERREIRA, J. H.; VIERA, C. A. O ensino de Ciências no ensino fundamental e médio: reflexões e perspectivas sobre a educação transformadora. Revista Exitus, v. 7, n. 2, p. 283, 2017.

SILVA, P. B. DA et al. O Valor Pedagógico da Curiosidade Científica dos Estudantes. Química Nova na Escola, p. 241–248, 2018.

 

 

 

 

 

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